18 outubro, 2012

Eduardo Rios-Neto para a Folha de SP: "Com fecundidade abaixo do nível de reposição, país fez transição demográfica"

O dado divulgado pelo IBGE ontem, analisando alguns resultados da amostra do Censo de 2010 possibilita a difusão de uma realidade que não é totalmente conhecida pelas pessoas não especializadas, além de permitir uma reflexão sobre suas implicações. Este é o caso da taxa de fecundidade total abaixo do nível de reposição. Uma população com a taxa de fecundidade total de 2,1 filhos por mulher durante o período reprodutivo, que corresponde às idades entre 15 e 49 anos, terá crescimento populacional nulo caso esta taxa seja persistente durante um longo período.

O Brasil já completou a fase final da chamada transição demográfica, com a fecundidade caindo de cerca de 6 filhos por mulher nos anos sessenta para 2,9 em 1991, indo para 2,4 em 2000 e atingindo níveis abaixo da reposição em 2010 com 1,9 filhos. Os dados das PNADs do IBGE e de outras pesquisas domiciliares sugerem que a fecundidade já pode estar em 1,7 neste período. De qualquer forma, a população brasileira deixará de crescer em algum ponto a partir de 2030. Quais são as causas desta queda na fecundidade? Há um limite para esta queda? Quais são as consequências disso para o país?

A avaliação dos determinantes da queda na fecundidade é um dos temas mais explorados na demografia, uma vez que no agregado, a grande maioria dos países experimentou a transição demográfica com a fecundidade caindo de níveis elevados para o chamado nível de reposição. Há várias explicações para esta queda, algumas complementares e outras competitivas, os fatores clássicos são o aumento na escolaridade feminina, a maior participação das mulheres na força de trabalho, aumento na escolaridade dos filhos, queda da mortalidade infantil e a maior urbanização. Há explicações mais complexas associadas às relações de gênero, ao papel de fatores culturais mais específicos como a religião, ou até o papel da televisão e do consumo de bens duráveis e de luxo. Embora seja instigante saber o que causou a queda da fecundidade, dificilmente haverá um consenso nesta área.

Um debate mais recente e mais importante para o país trata da fecundidade abaixo do nível de reposição, em que medida esta taxa cairá mais ainda e até que ponto. Esta é uma questão muito importante no contexto europeu, sendo menos grave em países como os Estados Unidos, que possui uma fecundidade mais alta do que a do Brasil. Não há dúvidas que a escolaridade materna está correlacionada com a queda na fecundidade, podendo até estar causando esta queda. Os dados do comunicado do IBGE mostram que a fecundidade das mulheres com ensino superior completo é de 1,14 filhos, enquanto as mulheres sem instrução e com ensino fundamental completo têm uma fecundidade de 3 filhos. Eu fiz exercícios com os dados dos Censos de 2000 e 2010 para saber a importância da educação. Mais ou menos metade da queda observada na fecundidade se deveu ao aumento na escolaridade das mães, enquanto a outra metade se deveu a mudanças de comportamento das mulheres em cada nível de educação. Nessa perspectiva, a fecundidade poderia continuar caindo caso a escolaridade materna continuasse aumentando. Parte da queda ocorre também devido a um aumento na idade em que as mulheres têm o primeiro filho, já que as mães altamente escolarizadas têm o primeiro filho em idade mais avançada.

A continuidade da queda da fecundidade depende do aumento no número de mulheres cursando ou concluindo o nível superior, mas minhas projeções educacionais sugerem que este crescimento está perdendo o folego. Se sob o ponto de vista demográfico a fecundidade pode não ficar tão abaixo da reposição, sob o ponto de vista econômico e cultural isto está longe de ser desejado. Tudo o que se quer no país é uma verdadeira revolução na educação com um aumento ainda maior na proporção da população com nível superior.

Se eu tivesse de escolher entre estancar o crescimento da escolaridade superior das mulheres para aumentar a fecundidade, ou incrementar a educação mesmo aprofundando a queda na fecundidade, certamente ficaria com a segunda opção. Na segunda opção é preciso revolucionar mais ainda a expansão do ensino superior, além de melhorar a qualidade do ensino médio.

Além disso, cabe lembrar que a fecundidade abaixo do nível de reposição não é necessariamente nefasta para o país. Do lado positivo podemos listar dois aspectos. A redução no número de crianças em idade escolar possibilita uma verdadeira revolução na qualidade da educação começando com a primeira infância. A redução na população de 15 a 24 anos ajuda na redução da taxa de desemprego, da criminalidade e permite uma melhor implementação de políticas de qualidade para os jovens. O lado negativo é o envelhecimento populacional no longo prazo, com implicações para a previdência social e para o gasto público. Otimistas argumentam que o ganho em capital humano gerado pela baixa fecundidade (qualidade) compensaria a perda numérica (quantidade) gerada pela baixa fecundidade.

A conclusão mais importante desta reflexão é que políticos alarmados com a fecundidade abaixo da reposição devem se acalmar, pois políticas imediatistas de incentivos ou penalidade para a reprodução levam ao fracasso e a limitações de direitos. A experiência européia mostra que o equilíbrio estável da reprodução decorre de uma política de equidade de gênero, equidade tanto no mercado de trabalho quanto na esfera doméstica, com a divisão equitativa das tarefas e das responsabilidades diárias no cuidado dos filhos. Políticas que favoreçam a oferta de creches de qualidade, a licença-maternidade masculina e a reconciliação entre o trabalho e o cuidado familiar fazem parte da melhor receita para subir a fecundidade na perspectiva do bem.

EDUARDO L.G. RIOS-NETO é professor titular no Departamento de Demografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Fonte: Folha de SP, 18/10/2012


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